Ela foi uma mulher muitíssimo acima do seu tempo, no início do século XX. Sofreu todo o tipo de preconceito por ser bela e arrojada demais para a época e amou em demasia. E morreu enlouquecida por causa deste amor. Falo de Anayde Beiriz, mulher paraibana que levou o seu desejo às últimas consequências.
No poema abaixo, a
"pantera dos olhos dormentes"
se desnuda desprovida de qualquer pudor e deixa ferver na ponta dos dedos a alma feminina.
De uma carta que te escrevi e não te enviei
Não Eu não hei de chorar [...]
Tu me conheces bem pouco. Por isto é que me falas em
lágrimas.
Só os desesperados é que choram e eu continuo a esperar
[...]
Pouco se me dá saber da tua nova paixão [...]
É tão vulgar a existência de outra mulher no destino do
homem que a gente deseja [...]
E, bem sabes, no amor, como em tudo, apenas me seduz
a originalidade [...]
A razão por que gostei de ti?
Porque pensei que tu eras louco [...]
Tive sempre a extravagância de achar deliciosos os loucos
que julgam ter juízo [...]
Desiludiste-me afinal!
[...] E é tão desinteressante um homem ajuizado que
finge de louco [...]
Dizes que me procurarás esquecer. Ingênuo!
Desafio-te a que o consigas [...]
As marcas das minhas carícias não foram feitas para
desaparecer facilmente [...]
Mil outros lábios que se incrustarem na tua boca não
arrancarão de lá a lembrança
da minha [...]
Mas, se ainda assim, o conseguires, a tua vitória não
será duradoura.
Não há vantagem em esquecermos hoje o que temos
de lembrar amanhã [...]
Apraz-te que eu guarde os meus beijos [...]
Guarda-los-ei, por enquanto.
Advirto-te, porém, que os beijos são como os vinhos
raros, quanto mais velhos, melhor embriagam [...]
Enganas-te se pensas que entre nós dois tudo está terminado
[...]
Se agora é que começou [...]
A nossa história, hoje, está bem mais interessante [...]
E tu fizeste para mim, muito mais desejado [...]
Porque tenho que te arrancar do domínio de outra
mulher [...]
No entanto, eu já não te amo [...]
Admiro os homens fortes e tu és um covarde:
Tens medo do meu amor. Receias o delírio febril do meu
desejo, a exaltação diabólica do meu sensualismo, a
impetuosidade selvagem da minha volúpia [...]
Sonhar um afeto simples, monótono, banal [...] Um
afeto que toda mulher pode dar [...]
Tu, um artista!
Fazes bem em procurá-lo distante de mim
O meu amor é bem diferente: é impulsivo, torturante,
estranho, infernal [...]
Ouve, contudo, o que te digo: hás de experimentá-lo
ainda uma vez [...]
Então veremos quem de nós dois chorará [...]