quinta-feira, 25 de março de 2010

Pelo retrovisor




Vou logo avisando... Estou um tanto filosófica hoje. Resolvi abrir o baú cheirando a naftalina da minha vida e da sua. Pretensiosa e metida essa menina, não!

Que atire a primeira pedra quem nunca olhou pelo retrovisor de sua própria vida!
Negue se for capaz, de pelo menos uma vez em sua existência ter parado por alguns infindáveis minutos para contemplar o nada absoluto, perder-se em suas próprias divagações e refletir sobre quem você era, que atitudes, decisões e caminhos tomou para se tornar quem é neste exato instante.

Não preciso nem dizer que TODOS, sem exceção, exercitam isso até inconscientemente. Nada de drama ou bicho de sete cabeças, até porque faz parte do percurso da vida. Nem adianta você, caríssimo leitor, olhar para os lados e pensar “Vou fazer de conta que isso não é comigo. Não faz parte de minha natureza”. Adianto logo que não cola, viu! Não convence. Além de saudável, olhar pelo retrovisor, ou rever o passado - como queira - é um ato de extrema coragem. Significa muito mais do que dar uma revirada nas estantes empoeiradas do grande sótão que é a nossa mente. É uma reflexão no instante do presente, para que sejamos mais atentos aos puxões de orelha dados pela vida; para que tomemos novos rumos com uma nova consciência. Como minha sábia avó paterna dizia: “O futuro é escuro”. Não falo sobre um porvir cheio de maus presságios, mas apenas de um futuro nebuloso, incerto, e ao mesmo tempo, cheio de esperanças. E é exatamente neste momento que entra o olhar do retrovisor, para que possamos, sabiamente, utilizar todo o nosso aprendizado em nosso favor.

São tantas as nuances da vida que não chegamos a perceber que o momento é sempre o agora. Porém, tudo o que você já viveu de bom e de ruim sempre fará parte do pacote. Revirar os armários de nossos tempos idos nos ensina a não reincidir em certos erros, a evoluir como alma e ser humano. Parafraseando um dos mais certeiros ditos populares: “Errar é humano... insistir no mesmo erro, é burrice”.

Exercício tão simples e tão complexo ao mesmo tempo, porque lida com um misto de sentimentos que vão desde alegria, satisfação e saudosismo; e no mesmo instante, leva-nos ao desgosto, ao “...e se eu tivesse feito do outro jeito?”, ao arrependimento, à sensação de escolhas erradas... Mas quem é mesmo que sabe o que são escolhas erradas ou certas? Se houver alguém aí nesse mundão de meu Deus que tenha o poder de discernimento absoluto, preciso ser informada, porque aí eu irei ter a certeza de que a primeira trombeta do Apocalipse vai soar, e eu serei a primeira a entrar em um abrigo anti-aéreo.

Que atitudes você repetiria? E quantas não faria de jeito nenhum? Do que você se arrepende? De qual feito você se orgulha?

Todos nós temos o direito a um livre pensar. E é-me soprado ao ouvido que infelizmente erros não podem ser revertidos. Não podemos simplesmente pegar um controle remoto e voltar para uma cena, como fazemos com um filme.

Contrariando o clichê: “Não se arrependa do que fez e sim, do que não fez”, peço a licença de me conceder o direito do arrependimento, respeitando é claro, quem acredita nesta máxima. Eu não tenho orgulho nenhum de algumas coisas que fiz até este exato instante. Se me pudesse ser dada a graça de apagar certas passagens totalmente desnecessárias de minha vida, eu assim o faria, sem pestanejar... limava um monte delas! Mas como eu não sou o Superhomem, que teve o poder de fazer a Terra girar ao contrário, voltando pelo menos uns preciosos minutos suficientes para reverter a perda da mulher amada, eu me recolho ao meu estado de um ser mortal, cheio de paixões, sonhos, medos, paranóias, erros e acertos. Tudo muito. E tudo muito bem vivido, que fique bem entendido. Arrependimento não mata e nem deixa as pessoas amargas. Arrependimento ensina. Lapida a pedra bruta.

Sábio é o Gilberto Gil ao entoar: “O melhor lugar do mundo é aqui e agora...”

E é nesse “aqui e agora” que aproveito para passar aquela flanela ou um trapinho qualquer no vidro embaçado de meu retrovisor imaginário, olhando para a estrada que ficou para trás com muito orgulho e a humildade de admitir que poderia ter sido mais tolerante em alguns momentos de minha vida; em outros, mais prudente; em outros tantos, mais sensata; em mais alguns, persistente. E assim é a vida que segue. A passos firmes ou trôpegos, mas sempre em frente. E o balaio do aprendizado ficando ainda mais cheio, a cada milésimo de segundo de nossas vidas...

E você? Já viu como é que anda o seu retrovisor? Eu garanto que, ao se permitir tal viagem, você conhecerá muito mais de si mesmo do que realmente imagina. Quanto ao arrependimento ou não de suas escolhas, nunca abra mão de seus direitos e nem tampouco dê cabimento a Seu Ninguém de falar sobre um assunto que diz respeito única e exclusivamente a você. Falo estas coisas de cadeira, porque a duras penas, aprendi o real significado da palavra “Livre-Arbítrio”.

E se você ainda não vivenciou esta busca interna, quando se sentir preparado, embarque! Mas embarque à vera, sem reservas ou pudores! Quem sabe, em uma dessas paradas obrigatórias pela estrada, a gente não se encontra e toma um capuccino, enquanto troca experiências de vida, hein? Pense nisso.


"Sua jornada moldou você para seu bem maior, e foi exatamente o que precisava ser. Não pense que você perdeu tempo. Não existem atalhos para a vida. Foi necessária cada e toda situação que você encontrou para trazê-lo para o agora. E agora é o momento certo."
(Asha Tyson) 

quarta-feira, 17 de março de 2010

Olhai o Jardim das Acácias!



Que simples prazer te deixa feliz?
O que passa imperceptível aos sentidos e olhos de outras pessoas que cruzam o seu caminho, mas que traduzem verdadeiras alegrias infinitas à sua alma?
No corre-corre diário da luta incansável pela sobrevivência, acabamos por ignorar inconscientemente as incontáveis experiências contidas no espaço de tempo que doamos para garantir o sustento, o pão, o amanhã.
Simplesmente esquecemos de lembrar que nos foi dada a graça de viver em uma cidade cuja natureza abusou no quesito beleza, um lugar mais do que aprazível, para não dizer inigualável.
Não pretendo aqui ser apenas mais uma a enaltecer, a louvar os predicados da Cidade Verde. Todos eles já são sabidos por quem nela habita e por quem está somente de passagem mas promete voltar, ou ainda por aqueles que cedem aos encantos do “recanto bonito do Brasil” e decidem fincar raízes de vez. Tais predicados de nossa cidade só precisam mesmo é ser (re)descobertos, constantemente. Cada um tem a sua maneira particular de vivenciá-la, de senti-la. No meu caso, em qualquer hora do dia, em horário de trabalho ou ócio, me dou conta da generosidade de Deus, em viver num lugar tão mais cheio de encantos do que os mais desavisados supõem. Falo aqui de minha honra e felicidade em presenciar, de um jeito tão só meu, a bem-aventurança de ter a dádiva da sensibilidade que vai além do que o alcance dos olhos permitem. Falo do cotidiano tão rico em detalhes, que me toca de uma maneira tão singular e ao mesmo tempo, tão intensa.
Falo da paz encontrada nos bancos da nave principal da Igreja de São Francisco em um final de tarde, onde já busquei refúgio tantas vezes; onde apenas os passarinhos têm permissão de quebrar o sagrado silêncio daquelas paredes seculares.
Falo do encantamento quase que hipnótico do pôr-do-sol às margens do Rio Sanhauá, em qualquer ponto que estejamos.
Falo da lua cheia, encantada e dourada, emergindo das tépidas águas do Cabo Branco.
Falo com imenso orgulho de seu Centro Histórico, pavilhão de infinitos tempos idos, abrigando o presente e aguardando com esperança melhores tempos vindouros.
Falo da nossa tão familiar Lagoa do Parque Solon de Lucena, cujas palmeiras imperiais que a rodeiam fazem jus ao nome, de tão belas e imponentes.
Falo da riqueza vestida de verde, com suas guirlandas de ipês e acácias, a enfeitar e colorir o concreto cinza, criando matizes únicos.
Falo do inigualável e primeiro nascer do sol na Ponta do Seixas, momento em que o astro-rei deixa de presente para a imensidão do mar o calor intra-uterino em suas águas.
Um texto como o da simples mortal que vos escreve, caro leitor, não tem a mínima pretensão de traduzir toda a magnificência da cidade onde vivo, até porque tal tarefa de citar os infindos encantos desta ilustre e jovem senhora de 422 anos, é simplesmente impossível. Ela, João Pessoa, apenas acolhe toda a minha história de vida, amigos e família. Ela é guardiã de todo o meu tesouro. E onde está o meu tesouro, também estará o meu coração sempre, não importando onde quer que eu esteja fisicamente. Quem sai desta terra para desbravar outros recantos, outras paragens, seja por necessidade ou por qualquer outro motivo, sabe exatamente o peso de minhas palavras quando nos é invadida uma expressão que não possui tradução em nenhuma língua que não seja a portuguesa: SAUDADE.
Com todo o respeito que tenho pela obra de Zé Ramalho, um dos expoentes da música paraibana, discordo do primeiro trecho da música “Jardim das Acácias”, feita para João Pessoa, que diz: 
“Nada vejo por essa cidade, que não passe de um lugar comum...”.
Esse mesmo Jardim das Acácias transpira belas mutações a cada milésimo de segundo nas pequenas coisas. Coisas que só serão vistas e sentidas por quem realmente tem o coração aberto para receber tal dom.
Recomendo a você, caro leitor, um exercício mais do que salutar à sua vida. Na busca frenética, incessante e necessária pelo vil metal, o que fatalmente nos deixa com os nervos à flor da pele, experimente parar apenas por um instante para respirar fundo e vislumbrar o que existe ao seu redor. Não com olhos impacientes, atentos à cobrança do relógio, mas sim aos mínimos detalhes. O tempo é sempre agora. Detenha-se por um segundo que seja, e aflore a sensibilidade que clama por sair de dentro de sua alma, a fim de servir de bálsamo a toda uma vida de atribulações. 
Olhai o Jardim das Acácias! Olhai com sabedoria! Então você será presenteado com a percepção de que, todos nós, sem exceção, somos dotados de uma visão além do alcance. De uma visão capaz de possibilitar a compreensão e concordância com o segundo trecho da mesma música de Zé Ramalho citada acima: “... mas o solo é de fertilidade.” 
Fertilidade sim, de vida pulsante. Pulsante e verde, como sempre foi e sempre será, em toda a sua existência.

domingo, 7 de março de 2010

Quebre o copo!



Queria compartilhar com vocês um belo trecho do livro "Na margem do Rio Piedra eu sentei e chorei", do Paulo Coelho. Devemos lembrar de quebrar um copo de vez em quando, pra poder recomeçar. Boa leitura!

Quebre o copo!

O vinho tornava as coisas mais fáceis para ele. E para mim.
– Por que você parou de repente? Por que não quer falar de Deus, da Virgem, do mundo espiritual?
– Quero falar de outro tipo de amor – insistiu. – Aquele que um homem e uma mulher compartilham, e em que também se manifestam os milagres.
Segurei suas mãos. Ele podia conhecer os grandes mistérios da Deusa – mas de amor sabia tanto quanto eu. Mesmo que tivesse viajado tanto.
E teria que pagar um preço: a iniciativa. Porque a mulher paga o preço mais alto: a entrega.
Ficamos de mãos dadas por um longo tempo. Lia em seus olhos os medos ancestrais que o verdadeiro amor coloca como provas a serem vencidas. Li a lembrança da rejeição da noite anterior, o longo tempo que passamos separados, os anos no mosteiro em busca de um mundo onde estas coisas não aconteciam.
Lia em seus olhos as milhares de vezes em que havia imaginado este momento, os cenários que construíra ao nosso redor, o cabelo que eu devia estar usando e a cor da minha roupa. Eu queria dizer “sim”, que ele seria bem-vindo, que o meu coração havia vencido a batalha. Queria dizer o quanto o amava, o quanto o desejava naquele momento.
Mas continuei em silêncio. Assisti, como se fosse um sonho, à sua luta interior. Vi que tinha diante dele o meu “não”, o medo de me perder, as palavras duras que escutou em momentos semelhantes – porque todos passamos por isto, e acumulamos cicatrizes.
Seus olhos começaram a brilhar. Sabia que estava vencendo todas aquelas barreiras.
Então soltei uma das mãos, peguei um copo e coloquei na beirada da mesa.
– Vai cair – disse ele.
– Exato. Quero que você o derrube.
– Quebrar um copo?
Sim, quebrar um copo. Um gesto aparentemente simples, mas que envolvia pavores que nunca chegaremos a compreender direito. O que há de errado em quebrar um copo barato – quando todos nós já fizemos isto sem querer alguma vez na vida?
– Quebrar um copo? – repetiu ele. – Por quê?
– Posso dar algumas explicações – respondi. – Mas, na verdade, é apenas por quebrar.
– Por você?
– Claro que não.
Ele olhava o copo de vidro na beira da mesa – preocupado com que caísse.
“É um rito de passagem, como você mesmo fala”, tive vontade de dizer. “É o proibido. Copos não se quebram de propósito. Quando entramos em restaurantes ou em nossas casas, tomamos cuidado para que os copos não fiquem na beira da mesa. Nosso universo exige que tomemos cuidado para que os copos não caiam no chão.
Entretanto, continuei pensando, quando os quebramos sem querer, vemos que não era tão grave assim. O garçom diz “não tem importância”, e nunca na vida vi um copo quebrado ser incluído na conta de um restaurante. Quebrar copos faz parte da vida e não causamos qualquer dano a nós, ao restaurante, ou ao próximo.
Dei um esbarrão na mesa. O copo balançou, mas não caiu.
– Cuidado! – disse ele, instintivamente.
– Quebre o copo – eu insisti.
Quebre o copo, pensava comigo mesma, porque é um gesto simbólico. Procure entender que eu quebrei dentro de mim coisas muito mais importantes que um copo, e estou feliz por isto. Olhe para a sua própria luta interior e quebre este copo.
Porque nossos pais nos ensinaram a tomar cuidado com os copos, e com os corpos. Ensinaram que as paixões de infância são impossíveis, que não devemos afastar homens do sacerdócio, que as pessoas não fazem milagres, e que ninguém sai para uma viagem sem saber aonde vai.
Quebre este copo, por favor – e nos liberte de todos estes conceitos malditos, esta mania que se tem de explicar tudo e só fazer aquilo que os outros aprovam.
– Quebre este copo – pedi mais uma vez.
Ele fixou seus olhos nos meus. Depois, devagar, deslizou sua mão pelo tampo da mesa, até tocá-lo. Num rápido movimento, empurrou-o para o chão.
O barulho do vidro quebrado chamou a atenção de todos. Em vez de disfarçar o gesto com algum pedido de desculpas, ele me olhava sorrindo – e eu sorria de volta.
– Não tem importância – gritou o rapaz que atendia as mesas.
Mas ele não escutou. Havia se levantado, me agarrado pelos cabelos, e me beijava.
Eu também o agarrei nos cabelos, abracei-o com toda força, mordi seus lábios, senti sua língua se movendo dentro de minha boca. Era um beijo que havia esperado muito – que havia nascido junto dos rios de nossa infância, quando ainda não compreendíamos o significado do amor. Um beijo que ficou suspenso no ar quando crescemos, que viajou pelo mundo através da lembrança de uma medalha, que ficou escondido atrás de pilhas de livros de estudos para um emprego público. Um beijo que se perdeu tantas vezes e que agora tinha sido encontrado. Naquele minuto de beijo estavam anos de buscas, de desilusões, de sonhos impossíveis.
Eu o beijei com força. As poucas pessoas que estavam naquele bar devem ter olhado, e pensavam estar vendo apenas um beijo. Não sabiam que naquele minuto de beijo estava o resumo de minha vida, da vida dele, da vida de qualquer pessoa que espera, sonha e busca o seu caminho debaixo do sol.
Naquele minuto de beijo estavam todos os momentos de alegria que vivi.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Maçã Tatuada



Uma das mais belas e fortes músicas do cancioneiro popular brasileiro.
É de Moacyr Luz e Aldir Blanc e eu quero compartilhar com vocês.



Maçã Tatuada

Numa esquina de Copa ficava parada
alvejada pelas setas do vício
e o início tinha sido divino:
um amante latino...
Sua boca vermelha, a maçã tatuada
sobre o ombro (a sombra de veludo)
a pele onde um homem que é nada
pensa que é capaz de tudo


Entre o ouro e a miçanga ofegava a audácia
entre a joalheria e a farmácia
entre ser a nova estrela da Banda
e uma filha de Umbanda...
Toda vez que as pestanas castanhas batiam
o olhar trocava mil slides
Na praia, na lambada,
com a amiga que já faleceu de Aids...


E na bolsa quando ia ao toalete
a gilete, o sempre-livre
e o chiclete importado
o velho exemplar do despertar de algum mago...
O apelido que não posso esquecer:
a Jezebel da Duvivier
Saiu assassinada na manchete
entre a greve e os motins urbanos...
Chamava-se Moema, era morena,
e tinha apenas treze anos.